domingo, 29 de maio de 2011
O Engraxate que comprou um cinema !!!
Já disse que em determinada época da minha vida, com 13 anos de idade incompletos, fui proibido terminantemente de tocar no assunto sobre cinema em minha casa, proibição incentivada por meu irmão mais velho, cujo apelido é Bute. Ele realmente não entendia o real significado do cinema para mim. Penso que até hoje ele continua com a mesma concepção. Suas argumentações eram sempre as mesmas, talvez ele até tivesse uma dose de razão, estudar mesmo que era minha obrigação nadinha. Ia de mal a pior no ginásio.
O assunto me fascinava como me fascina até os dias de hoje, a magia da 7ª arte. Inúmeras vezes ao dia, eu parava em frente aquelas portas do cinema, na Rua 7, em Itanhandu. Eu sabia que não havia mudado nenhum dos cartazes dos filmes à serem exibidos, mas não redava o pé dali enquanto não lesse, novamente as sinopses, no mínimo no mínimo pelo menos 3 vezes ao dia. Como a repressão foi muito violenta sobre o menino para calar-se sobre este assunto, a mesada acabou, na realidade nem chegava a ser mesada, mas caía um dinheirinho e eu guardava pra ir ao cinema.
Resolvido: passei a ser engraxate, como tínhamos muitos parentes em Itanhandu , no início fui de vento em popa. Ia às casas, engraxava os sapatos de toda família, aprendi o gingado tipo um samba ao passar a flanela pra dar o retoque final, o sapato deveria ficar um espelho. Como tem a bonança também a tempestade.
Naquela época ia estreiar um super clássico. Eu olhava as pessoas nas ruas, tinha sim a convicção que todos comentavam sobre este filme: EL CID. Se eu via uma rodinha de gente, dizia pra mim mesmo:- Devem estar comentando sobre o filme.
Três dias antes da estréia, tive uma diarréia dos diabos, foi-me impossível ir pra ruas com minha caixa de engraxate, cheguei a ir, mas retornei rapidinho, havia borrado nas calças. E agora, José? Como é que eu ia ver o filme? Como ia ganhar meu dinheiro? Na minha cabeça, toda a cidade de Itanhandu comentava sobre o filme EL CID. Lembro-me perfeitamente que olhei silenciosamente para o meu irmão, um olhar de súplica, sua indiferença era terrivelmente terrível. E o raio da diarréia não parava.
Chegou finalmente o dia tão esperado e desesperado. Eram 4 sessões, de sábado até 3ª feira. O supremo e divino seria assistir ao 1º dia da estréia e talvez o restante dos dias, mas era de suma importância assistir no 1º dia e ver os comentários, posteriormente nas ruas.
Foi chegando a hora. Àquela fila imensa dobrando a esquina até o bar do Sr. Zé Divino. Iniciaria o filme as 20:30 min. A diarréia estava meio quê controlada mas não podia abusar. Fiquei parado na barbearia do Abel Martuscelli que ficava quase em frente ao cinema. Uma angústia permeava meu corpo vendo aquele povaréu todo animado. Num estalo, num piscar de olho, reparei que o dono do cinema Sr. Delfim Zaronni, com aqueles óculos de lentes grossas e uma barriga imensa, estava reparando a fila, do meio da rua. Corri rapidinho até ele. Como meu pai era bem quisto na cidade arrisquei. Me aproximei dele como se não tivesse o menor interesse no filme daquela noite e disse:
- Sr. Delfim, meu pai pediu pra vir conversar com o senhor. Ele está interessado em comprar seu cinema, meu pai ouviu dizer que o senhor quer mudar para São Lourenço.
- Tenho interesse em vender sim, mas cadê seu pai?
- A gente já estava na rua vindo pra conversar com o senhor, quando chegou uns primos nossos de viagem, aí ele me encarregou de vir assuntar sobre este assunto da compra sem falta, e levar a resposta pra ele. Eu queria que meu pai estivesse aqui pra ver o movimento do cinema.
- Olha a fila, Miquito, já esgotaram os ingressos, hoje não entra mais ninguém.
- Sr. Delfim, posso dar uma olhada dentro do cinema pra explicar direitinho ao pai?
- Pode sim, mas tem que sentar no chão.
Junto com o dono do cinema vi àquelas cortinas vermelhas serem fechadas. A luz apagou. Me arrumei como pude sentado naquele cimento gelado. Consegui ver o filme EL CID.
Todas as manhãs meu pai ia comprar seu cigarro de marca “ continental” na barbearia do Abel, lá vendia cigarro , jornal e revistas. Passados alguns dias, o dono do cinema encontrou com meu pai comprando cigarro. E perguntou:
- Sr. João, recebi seu recado, o Miquito disse que o senhor quer comprar meu cinema.
Dizem que meu pai ficou sem graça, e pediu explicação ao Sr. Delfim o quê de fato havia ocorrido. Depois de tudo explicado, só restava ao pai a única e correta alternativa.
- Quanto é o ingresso, Delfim? Faço questão de pagar pois meu filho assistiu o filme.
Miquito Mendes!
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