sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Um homem sossegado !!! ( Parte 2 )















A roda estava formada em frente à casa do Sr. Quinzote que é cunhado do Quinzinho. Era o velório do primeiro. E, por último, chegou o Zé Bananeira.
O falecido era um homem simples, pai de quatorze filhos. Homem sacudido, não existia na região homem melhor e mais caprichoso que ele na feitura de uma cerca. Das cidades vizinhas era procurado pelos seus serviços. Morreu no estalo, igual passarinho esticando o arame farpado.
Zé Bananeira sentou do lado da urna onde estava a viúva. Por bem dizer deve ter ficado mais de uma hora sentado, ali.

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Apesar das diferenças de opiniões na turma, as piadas que Paulo Salaminho vivia fazendo em cima do Zé Bananeira, no final das contas era uma boa turma e muito unida.
Procuraram uma sombra naquela árvore que ficava do outro lado da rua do falecido. Foram atravessando a rua em fila indiana.
Breu cochichou com Paulo Salaminho :
- Vamos jogar porrinha mas tem que ser disfarçado, cuidado, cantem a jogada o mais baixo possível, pediu o Breu.
O Tronco da árvore devia ter uns ... uns cinqüenta centímetros de diâmetro. Três deles apoiaram as costas lá, sendo quê, o Fala Fina na ultima hora sentado e apoiado na árvore esticou as pernas e deu uma boa espreguiçada. O restante da turma sentou-se sobre as próprias pernas, posição característica daqui de Minas Gerais, sobretudo, o Sul do Estado,e encostaram na parede da casa, com duas janelas abertas de frente para a rua, teriam mesmo que tomar cuidado para jogar porrinha.
Começaram a partida valendo um real, o limite combinado há muito tempo, para estourar, não poderia passar de dez reais.
Enquanto, como disse, disfarçavam, o entra e sai de visitas não parava na casa do defunto. Chegou o barbeiro Guidinho com uma pequena tesoura no bolso esquerdo da camisa, aproximou da roda, e disse :
_ Vou lá cumprimentar e volto já já, quero participar só de duas rodadas, deixei o salão aberto com o freguês na cadeira.
Naquela mão, Zé Bananeira passou. Seguindo o ritual começou aprontar seu cigarro de palha.
Guidinho tratou logo de arrumar o seu lugar. As rodadas estavam estacionadas no lance de dois reais.
- Pra levar essa na moleza, vou de onze, quase gritou o Fala Fina.
Neste exato momento ouviram uma tosse, todos olharam ao mesmo tempo, D. Rosa, debruçada com os cotovelos na janela, olhava pra eles. Ninguém abriu a mão, ninguém falou nada, uns mexeram de posição, puxaram conversa sobre o valor da pessoa que era o Sr. Quinzote. D. Rosa deu outra tossida e fez um ar como quem diz: que falta de respeito com o falecido. Olharam lá na esquina, um grito chamou atenção deles.
- Seu Zé Bananeira... seu Zé Bananeira?...
O Tião Turco vendedor de bilhetes da Loteria Federal, soltou outro grito:
- Seu Zé Bananeira?
- Aqui, Tião Turco!
- Seu Zé Bananeira do céu, o bilhete que o senhor comprou foi sorteado. Aqui os números da sorte.
A turma olhava para o Zé Bananeira, ora para o Tião Turco, chegou a chamar atenção do pessoal todo lá do velório.
- Vamos conferir os números, seu Zé Bananeira?
- Que aflição é esta Tião Turco, se eu ganhei... ganhei, fica sossegado.
Zé Bananeira mexeu de lado a perna, tirou do bolso traseiro da calça de brim, calmamente, aquele monte de papel. A turma acompanhava, e à medida que o tempo passava com àquela calma toda do Zé Bananeira a turma começou a ficar aflitiva.
- Cadê seu Zé Bananeira? Cadê o bilhete?
- Calma Tião, nossa mãe do céu, aqui no meio tenho conta de luz, de água, uma fezinha no jogo de bicho... Não adianta ficar nervoso. Sou um homem calmo por natureza e sossegado.
Zé Bananeira deu uma cuspida nas pontas dos dedos e começou a separar a papelada. Foi interrompido:
- Cumpadre Zé e todo pessoal, venham tomar café, acabou de sair, gritou lá da casa do falecido o Quinzinho.
- Boa hora compadre Quinzinho, um café pra boca de pito.
Zé Bananeira segurou na mão direita àquele monte de papel, levantou, e foi tomar o café.
- Mas não é possível gente, seu Zé Bananeira não tá nem aí... reclamou Tião Turco quase chorando. Da turma, ninguém teve coragem de tomar café, ficaram lá esperando com o Tião Turco.
- Até que enfim, Seu Zé Ba... Ba... Bananeira, vamos conferir o bilhete.
- Tião Turco... páre de gaguejar homem, a pressa não leva a lugar nenhum. Pressa pra quê? A pressa é inimiga do homem, vamos ficar todos tranqüilos e sossegados.
-Toma Tião, confere. Até que enfim ,pensou o vendedor do bilhete.
Os olhos do Tião Turco pareciam duas bolas de futebol, a medida que ia conferindo os números do bilhete, seus olhos iam ficando mais estalados.
- Não disse... não disse seu Zé Bananeira , o senhor ganhou.
- Ganhou quanto? perguntou o Breu falando pela turma toda.
- O seu Zé Bananeira ganhou cento e setenta mil reais.
Deu a hora do sepultamento. Zé Bananeira pegou o bilhete da mão do Tião Turco, colocou de qualquer jeito no bolso, segurou a alça da urna deixando a turma, o Tião Turco deu um suspiro parecendo que havia ficado com falta de ar. A turma ficou pasmada uns minutos, saíram correndo para alcançar o enterro.
O dia da morte do Sr. Quinzote e da sorte do Zé Bananeira foi numa segunda-feira.
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A notícia, na cidade, espalhou igual ventania. Por onde o Zé Bananeira passava recebia parabéns.
- O novo milionário da praça,
- O quê que você vai fazer com tanto dinheiro?
- Já comprou um carrão do ano?
Zé Bananeira encontrou dois dias depois com o Breu e desabafou:
- Não agüento este povo mais farso que Judas Iscariotes me rodeando, e batendo nas minhas costas...
- Mas Zé Bananeira, você ficou muito rico!
- Isso não é vida, Breu, minha paz acabou. Posso até ficar perrengue da saúde por causa desta confusão da loteria. A única coisa que desejo na minha vida é ficar sossegado!
Breu coçou o queixo, deu uma palitada naqueles dentes brancos e grandes, seus dentes eram tão brancos que dava um contraste com sua cor negra azulada.
- É ... é... Breu não sabia o que responder, conhecia de muito anos o Zé Bananeira e suas manias sistemáticas.
- Breu...
- O quê Zé Bananeira?
- Nada não, Breu, vou indo, preciso descansar minha cabeça e deixar meu coração sossegado.

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Fala Fina resolveu fazer numa tarde, lá na casa do Quinzinho, cinqüenta palitinhos, no capricho para o jogo da porrinha. Gastou horas com o canivete, cheio de paciência alisando cuidadosamente os palitinhos. De vez em quando ia no terreiro e afiava o canivete na pedra de amolar.
No sábado, em frente à barbearia do Guidinho a turma foi chegando. Ninguém tocou no assunto com o Zé Bananeira da sorte grande que chegou de-repente, em sua vida, Breu já tinha alertado a turma da sua irritação.
Fala Fina abriu a caixinha, três vezes maior que uma caixa de fósforo e mostrou os palitos. Iniciaram a partida, quando a aposta estava nos oito reais, Zé Bananeira cantou um numero absurdo. Cada um foi abrindo as mãos, cravado em cima, Zé Bananeira ganhou sessenta e quatro reais.
- Ô cumpadre Zé Bananeira , sua contagem pra mim não ia passar nem por perto, falou o Quinzinho!
Zé Bananeira colocou o dinheiro no bolso, ouviu uma voz dizendo pra ele:
- Vim aqui Sr. Zé Bananeira, fazer uma entrevista com sua pessoa prô nosso jornal da cidade...
- Pára... Sergio Mala, entrevista pra quê... falta do que fazer, vai arrumá um serviço Sergio Mala. Vocês parecem as sete pragas do Egito, não dão sossego pra gente, sai de perto de mim, Sergio Mala e agorinha mesmo, ficou nervoso Zé Bananeira.
Sergio Mala fazia as reportagens da cidade, não chegava a ser um jornal propriamente dito, mas sim um informativo.
- Mas que homem, vocês viram? Veio aqui num sábado, tirar meu sossego.
- Deixa ele pra lá, Zé Bananeira, ou não deixa, quem sabe o Sergio Mala ficou interessado em sua pessoa... falou Paulo Salaminho, como sempre, tirando sarro, e tirou do bolso um punhado de fatia de salaminho.
Sergio Mala deu no pé, montou na bicicleta xingando baixinho:
- Pensei que ia arrancar uma gorja daquele miserável...
E a prosa seguia. Saiu o assunto dos preços do adubo e das sementes.
- Passei por lá, Zé Bananeira, fiquei com pena de ver o seu plantio, a chuva levou tudo!
- Verdade, Fala Fina, não sobrou nada.
- Nada mesmo, Zé Bananeira?
- Nada Guidinho, nem um pé de nada... mas não desconjuro Guidinho – o barbeiro, como sempre, ou quase sempre, estava com uma tesoura nos dedos, desta vez abrindo e fechando –
- Não desconjura do quê Zé Bananeira?
- Nesta vida minha, quantas colheitas eu enchi meu paiol, quantas colheitas Deus me ajudou, então, à meu ver, quando a gente perde alguma não tem importância. O importante, é aqui no coração Guidinho, é nosso coração ficar tranqüilo e sossegado.
E outra rodada de porrinha, nesta o barbeiro Guidinho participou, ainda conversou um pouco após a rodada e foi lá pra dentro do salão.
Chegou um vereador e foi pegando de mão em mão...
- Bom dia seu Breu... Bom dia seu Paulo Salaminho... Quando chegou pra cumprimentar o Zé Bananeira ,este segurou firme a mão do Chico Abisteve, usando da sua franqueza, Zé Bananeira só largou a mão do vereador quando terminou um lava sabão que passou nele.
- Seu nome, ou apelido, ou diabo à quatro tá de acordo com você, Chico Abisteve. Você acende duas velas como vereador e sabe pra quem acende?
- Quê negocio é este de duas velas Sr. Zé Bananeira, lá na câmera eu cumpro com meus deveres...
- Pura verdade Chico Abisteve, você merece ser aplaudido igual num circo. – Zé Bananeira segurava com firmeza a mão do vereador. Aumentou o tom de voz e perguntou pra turma:
- Cumpadre Quinzinho, puxa o cordão com a turma e vamos bater palmas prô nosso vereador.
Foi uma risada geral, todos bateram palmas, o barbeiro Guidinho e seu freguês com aquele avental branco na porta da barbearia, deram uma vaia no Chico Abisteve. Este esforçou para desgrudar sua mão da mão do Zé Bananeira, coitado, o homem era muito forte. Àquela mãozona segurava a mão miúda do vereador, de vez em quando escutava um estalar de ossos.
- Lá naquele lugar, Chico Abisteve, que as minhas amizades verdadeiras de muitos e muitos anos querem que eu participe, as duas velas sua ficam acesas dia e noite, mês e mês sem parar...
- Que velas, Sr. Zé Bananeira?
- As duas velas que está no seu coração de homem fraco,e sem caráter, Chico Abisteve. Você acende uma vela pra Deus e outra prô Diabo. Quer agradar todo mundo, aí você não tem sossego na vida. Um homem agrada,ou não agrada,todo mundo ele não consegue agradar.
Entrou na conversa o Fala Fina e o Jayme Rosinha, quase ao mesmo tempo, Levantaram o dedo em sinal positivo e falaram:
- Nem Deus consegue agradar todo mundo.
- Toda santa vez lá na câmera, - falava calmamente Zé Bananeira – quando chega sua vez de votar eles chamam: Sr. Francisco, qual seu voto? Você, Chico Abisteve berra igual um animal de quatro patas: Abistenho... Abistenho... é por isso Chico que eu nunca vou ser vereador, não há nada no mundo que pague a consciência, prefiro ficar no meu canto sossegado.
O Vereador parecia engasgado na goela. Quando foi embora, sem ninguém ver, fez o nome do Pai e ficou preocupado com a próxima eleição, se o Zé Bananeira que é um homem de muito prestigio e confiança resolvesse falar mal dele poderia atrapalhar sua reeleição.
E pegaram firme na porrinha. Jayme Rosinha havia ficado fora da cidade por mais de sessenta dias. Quando ele era apresentado à alguém fazia questão de dizer:
- Jayme Rosinha, Jayme com Y, ao seu dispor.
Não é que o Sergio Mala voltou por lá novamente! Passou lá no outro lado da rua olhando meio desconfiado pra turma.
- Ô Sergio Mala... puxa saco dos homi... gritou Paulo Salaminho.
Chegou uma bicicleta enfeitada com um cata vento no guidom, com a bandeira do Brasil na garupa, e em todos outros lugares da bicicleta estava colado o nome do seu time de futebol. Homem mulato,humilde e prestativo. Dizem que o Pedro, foi desafiado num rodeio, topou e domou a fera no picadeiro. Dali em diante ficou conhecido como Pedro Fera.
- Fiquei satisfeito com a noticia Zé Bananeira, quando é que o Sr. vai assumir o cargo no hospital?
- Pois então não fique mais satisfeito, Pedro Fera, agüentar um hospital... Só se tiver doente. Já disse que não quero o cargo, prefiro ficar quieto no meu canto, sossegado.
Na Barbearia o movimento era grande. Segredo daqui, de lá, marido levando chifre, mulher do marido desconfiada com a comadre.
- E aqueles assuntos lá no parque de exposição, Zé Bananeira,tudo acertado?
- Quem disse, Guidinho?
- É o boato, Zé Bananeira!
- Boato é igual mentira, tem perna curta. Fui lá na comissão, e na frente de todo mundo risquei eu mesmo, o meu nome. Mania feia deste povo, sempre querendo atrapalhar a vida da gente. Levo a vida como gosto e sou um homem sossegado.
Zé Bananeira olhou diferente para o barbeiro, este percebeu o olhar. Abriu a porta de um armário, tirou uma mala pequena e entregou para o Zé Bananeira. Ele chamou a turma e entraram todos dentro da barbearia.Colocou a mala no banquinho.
- Aqui dentro desta mala está quase todo dinheiro que ganhei na loteria, faço questão, é questão de honra pra mim repartir com vocês.
O Barbeiro desligou o rádio, a turma toda olhava o Zé Bananeira sem saber direito o que acontecia. A mala foi aberta e o Zé Bananeira foi distribuindo os pacotes de dinheiro amarrado num barbante. Em sua casa tinha feito as contas direitinho de quanto cada um ia ganhar, até do Tião Turco estava separado.
- Cumpadre Zé Bananeira, pelo jeito...
- Fique calmo ,compadre Quinzinho. Sei o que faço. Não preciso deste dinheirão todo. Dinheiro nunca me faltou, graças a Deus. Sou um homem abençoado e sossegado.
Logo em seguida, pegou a mala e despediu da turma.
- Pra terminar, Zé Bananeira, mais uma partidinha de porrinha?
- Nem que a vaca tussa, Jayme Rosinha. A Carminha comprou um disco daquelas músicas que eu gosto, e vamos beber a branquinha ouvindo musica tranqüilo e sossegado.
Até hoje, ninguém sabe ao certo se o Zé Bananeira ficou ou não com alguma parte do dinheiro da loteria, pra ele. Chegou a notícia, e comprovada, que o Zé Bananeira fez doação para a APAE e o Lar dos Velhinhos.


Miquito Mendes

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