sábado, 5 de fevereiro de 2011
Um homem sossegado !!!
Existe a máxima que cada um é cada um, e cada um leva a vida como quer.
Dia destes, numa roda de conversa, olha quê, nestas rodas é um perigo, explico por quê. Falam o que deve e o que não deve. Normalmente, este grupo de amigos se reuniam logo onde? Em frente à barbearia do Guidinho. Quer melhor lugar pra saber as fofocas do que uma barbearia? ...ou num salão de beleza? Estes possuem as mesmas características de uma barbearia, porém, diferenciam apenas num pequeno detalhe, as fofocas são feitas ao pé do ouvido, baixinhas, enquanto quê ,nas barbearias, eles falam em alto e bom tom, ouve quem quer e quem não quer acaba ouvindo.
Na roda, também jogam porrinha, valendo.
Zé Bananeira é um caboclo, diz ele, que sabe o que quer e o que não quer. Acostumou tanto com o apelido acrescido ao Zé de Bananeira, se fosse assinar um documento, assinava como Zé Bananeira.
Numa das eleições, ele esqueceu todos os documentos em casa, quando entrou pra votar, o fiscal perguntou:
- Qual seu nome verdadeiro, Sr. Zé Bananeira?
- Acabou de falar.- existe testemunha deste fato, além do próprio fiscal contar na cidade-
Religiosamente, a cada 30 dias ia à barbearia, o dia de preferência era sempre no sábado.
- Conta aí, Zé Bananeira, continua na maré mansa?
- Quer que eu leve a vida de mal com ela? ... e soltou àquela gargalhada gostosa, sua dentadura tremeu todinha.
Outro da roda perguntou:
- Conseguiu aposentar?
- Êta pessoal sem compromisso lá naquele INSS, toda vez que eu ia lá, pediam um documento novo. Faz mais de dois anos que sumi daquele lugar, povinho vagabundo...
- Mas é um direito seu de aposentar.
- Prefiro não ter dor de cabeça com aquele povinho de lá, e ficar sossegado no meu canto, ganho mais.
- E levar a vida na maré mansa?
- Sem dúvida...sem dúvida, pra quê ficar abismado com qualquer coisa na vida?
- Massss, Zé Bananeira, é um direito sagrado a aposentadoria....todo mundo aposenta, uma hora ou outra, mas aposenta.
- Pra atanazar minha vida indo pra lá e pra cá, prefiro não aposentar. Não há nada no mundo que pague a tranqüilidade, um sossego na vida, nem uma boa aposentadoria.
- Você vai ajudar no bingo do hospital?
- Ajudar eu vou ajudar, Paulo Salaminho, mas cantar as pedras sem chance. Este negócio de ficar berrando igual louco os números das pedras, é um problemão.
- Qual razão, Zé?
- A gente canta a pedra, fala o número devagarinho, são tão surdos...ficam pedindo pra repetir, aí a gente repete, vem um berro lá de baixo, parecendo que o mundo vai acabar. Batiiiii...e dá aquele murro na mesa, parece um animal de quatro patas. Eu participo do bingo mas como jogador, é mais sossegado.
Paulo salaminho ficou meio em dúvida se concordava ou não com Zé Bananeira. Levou a mão no bolso, pegou uma fatia de salaminho e ofereceu pra turma.
- Zé Bananeira, então ficou acertado com os times que é você mesmo quem vai apitar a final do campeonato?
- Nem me pagando prata, ouro e incenso. Tá louco? Não vou procurar chifres na cabeça de potrinho, com àquela torcida dos dois times querendo matar uns aos outros, porque você não vai apitar, Quinzinho? Vou assistir o jogo tranquilamente, bem sossegado.
- Não vou apitar, porque não fui convidado, Zé Bananeira, se fosse ia ser uma honra pra mim.
E a roda continuava com o bate papo. Até o barbeiro com a tesoura presa entre os dedos, aparecia lá, dava palpite, sem a menor pressa, pouco importando com o freguês esperando na cadeira.
- Zé Bananeira, só aqui entre nossa turma, você tem dois compadres, é popular na praça, vai ou não vai ser candidato à vereador?
- Prefiro ser internado em Barbacena, nos hospital dos loucos. Pensa bem, compadre, aquele povaréu na porta da minha casa pedindo de tudo...
- O sonho de muitas pessoas é poder ser um vereador, compadre Zé Bananeira.
- Num desacredito deste sonho de quem quer ser vereador, compadre, mas cá comigo, agüentar amolação dia e noite não dá. Prefiro o sossego.
- O salário de um vereador hoje, chega a dois mil contos...( dois mil reais, mas alguns preferem usar o termo “contos”).
- Pode ser de dez mil contos, mas este dinheirão não compra o jeito da gente levar a vida como gostamos e estou acostumado. Prefiro mesmo, compadre, ficar sossegado.
O compadre ficou abaixando e levantando a cabeça em sinal negativo, não conseguia entender àquela atitude do Zé Bananeira.
- Ô ditado certo, dizem que Deus, ás vezes, dá asas pra quem não sabe voar....
- E também corta as asas , compadre, de quem fala sem pensar, o que vem na cabeça.
A conversa continuava animada, o barbeiro não parava dentro do salão e nem lá fora.
Saiu o assunto de pescaria. Ali todos pescavam. O barbeiro ouviu, baixou o radinho, foi até a porta e disse:
- O rio encheu, tá bom pra pescar, amanhã de madrugada nossa turma já combinou de ir.- retornou, aumentou o som do rádio, mas com antena ligada lá fora, o barbeiro era fanático por pescaria.
- Zé Bananeira, desta vez eu quero ir junto com sua turma...já viu, né?...ano passado a turma contou que você desaparecia deles quando chegava na beira do rio e só voltava tarde da noite, na horinha da turma vir embora.
Zé Bananeira ficou manjando o Breu falar. Ele era tão negro que parecia azulão, o apelido Breu estava de acordo.-
- Continua, Breu...pode continuar, o povo é danado pra aumentar....
- Mas não inventar, Zé ! A sua turma clamou que você durantes uns tempos, ano passado, foi o único que não conseguiu pescar nem uma piquira....
Todos riram, continuou o Breu,
- A sorte acabou, Zé Bananeira? - a pergunta foi maliciosa, todos perceberam. Prosseguiu o Breu:- Desta vez, Zé, será que vai sobrar alguma coisa pra turma?
A roda ficou atenta, eles sabiam sim, tinham certeza, mas queriam ouvir da própria boca do Zé Bananeira os detalhes...
- Conta pra nós, compadre, conta !!!
- O povo tem a língua comprida e uma coisinha pequena eles transformam numa coisa gigante, mas não vou negar e nem posso.
Um silêncio tomou conta da turma. Todos fixaram o olhar no Zé Bananeira. O barbeiro Guidinho parou imediatamente e foi lá ouvir.
- Pra baixo do rio, do lugar da ceva, menos de uma légua de distância, um dia encontrei com ela....
- Ela quem? Perguntou ansioso o Quinzinho.
- Ela clamou pra mim que o marido vivia bêbado e dormia o dia inteiro debaixo da árvore, ou ia pra cidade e ficava sem aparecer dias e dias. Mulher fogosa. Esta primeira prosa tivemos na beira do rio.
Ninguém falava nada, parecia que nem piscavam, tamanha era a curiosidade.
- Conta logo, Zé...conta logo...
- Um dia bati na porta da casa dela e puxei conversa, e a conversa tomou outro rumo, a mulher dizia que precisava dum homem.
Zé Bananeira abriu o canivete, e lentamente foi cortando o fumo chamado goianinho, rolo fininho, e foi esfregando o fumo na palma da mão, pôs na palha calmamente, e acendeu o cigarro. A respiração da turma estava acelerada. Que diabos, pensavam, o homem não terminava logo de contar.
- Não é gente que a mulher encanou comigo? Chegou até a costurar minha camisa e fez um gorro na medida certa pra mim, com linha de lã.
- Você é sortudo, compadre.
- Pode ser sorte...e pode não ser...
A impressão é que todos falaram ao mesmo tempo:
- Então deu azar?
- Olhem minha situação, aposto que vão concordar comigo. A mulher é uma mulher prendada, se eu falar diferente tô pecando...mas chegou uma hora que ela era igual carrapato, não desgrudava...
Perguntou Paulo Salaminho:
- Mas, Zé Bananeira, qualquer homem gosta de ser paparicado, né?
- Concordo em parte....agora vocês vão me dar razão. Um dia quando entrei na casa dela, reparei cinco malas....cinco malas prontas pra viagem, perguntei se ela ia viajar. Sabe o que ela respondeu? Queria amigar comigo, vir morar na minha casa.
- Não topou por quê , compadre?
- Eu quero é sossego na minha vida, arrumar problema e complicação? E se por acaso, o marido dela desse parte de mim, na polícia? Meu sossego ia parar nas grades vendo o sol nascer quadrado.
- Desta vez, concordo mil por cento com você, a gente não deve robar mulher dos outros, disse Paulo Salaminho.
- A Carminha chegou a saber, Zé? Perguntou o barbeiro.
- A vantagem da Carminha, Guidinha, ela é uma mulher compreensiva, entendedora, aposentada e sossegada na vida, e não é de ficar interrogando a gente. É sossegada mesmo, por isso combinamos tão bem.
O barbeiro desta vez esqueceu mesmo o homem lá no salão, quê por sinal estava com parte do rosto cheio de falhas na espuma branca.
E foi logo perguntando, com a navalha na mão:
- Sempre tive carência de saber, Zé Bananeira, quanto tempo faz que você e a Carminha são namorados?
- Certo no certo mesmo já perdi a conta. A irmã dela,a Nazaré , nem pensava namorar ainda e é um ano mais nova que a Carminha, foi quem ajeitou pra nós dois trocar cartas de amor....
- A Nazaré?
- Sim, a Nazaré, Guidinha, mas porque este olhar de espanto?
- A Nazaré já tem netos. Nossa mãe do céu, Zé Bananeira. Quantos anos faz isso, homem de Deus!
- É como disse, por baixo...por baixo...faz mais de trinta anos e menos de trinta e cinco, isso eu posso garantir.
- Homem do céu, perguntou o Breu, qual foi o impedimento de sair o casório?
Zé Bananeira deu de ombros.
- Eu e a Carminha combinamos em tudo. Prô bem da verdade, hoje, eu e a Carminha não sabemos se somos amigos, namorados ou noivos...somos os dois, sossegados, e a pressa é inimiga da perfeição, Breu!
Paulo Salaminho,não perdia uma oportunidade, quando podia, de tirar um sarrinho do Zé Bananeira. Perguntou naquela altura de voz, pra ter certeza que todos ouviriam:
- Será, Zé,...será que o nervosismo não te abateu? Quem sabe você colocou minhoca na cabeça e achou que na hora H quando casasse podia não dar conta do recado?
- Por acaso, sua irmã , a Clotilde, disse que eu não dei conta dela? Indaga e depois fala pra turma toda, Paulo salaminho, sou um homem tranqüilo e sossegado.
A conversa ia de vento em popa. Não faltava assunto. Dedo de prosa vai, dedo de prosa vem, e o tempo ia passando.
- Fiquei cismado seu Zé Bananeira, o Sr. que é tão devoto foi o único da turma a não pegar a lista do padre...
- Ara, Fala Fina, por acaso sou obrigado a sair na rua enchendo o saco das pessoas pra contribuir com a lista do padre? Eu quero é sossego em minha vida.
- Mas o padre contava com sua ajuda, seu Zé !
- E a sua língua de tão fofoqueira, um dia não vai caber dentro da sua boca, Fala Fina. Puxa saco de padre. Eu não assumo compromisso se eu não quiser, não sou obrigado. Faço apenas o que eu quero, graças a Deus, sou um homem sossegado.
- Agora eu discordo, Zé, discordo e provo.
- Do quê?
- Você diz que faz o que quer e eu provo que não.
- Então faz a prova dos nove!
- É pra já. Naquele baile, dia de Santo Antonio, você foi obrigado a dançar com a Maria Cintura Fina, se estou armando falso, prova que estou errado.
- Não é à toa que vocês dois- apontou o dedo para o Fala Fina- são dedo e unha. Eu dancei com ela, já tinha reparado nela, tava cheirosa, arribada, ajeitada. Caiu do cavalo Paulo Salaminho, como vocês levam uma vida agitada e não sossegada, invertem tudo a seu bel prazer.
- Tenho lá minhas dúvidas, seu Zé Bananeira !
- Então engula e arrota sua dúvida, Fala Fina !
Chegou a vez do Zé Bananeira cortar o cabelo, cochilou sentado naquela cadeira velha.De vez em quando despertava e ouvia cada palavra, sabia inclusive quem estava mentindo.
Logo em seguida, despediu da turma.
- Fica mais um pouco, Zé, vamos armar uma duplazinha pra jogar truco.
- Nem que a vaca tussa, Breu, eu fico. Vou passar no bar e beber minha branquinha, fazer um revirado lá em casa, deitar na rede, e ficar sossegado puxando uma soneca.
Bem....vou parar de escrever e imitar o Zé Bananeira, uma boa pestana não faz mal a ninguém.
Miquito Mendes !!!
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