sábado, 12 de março de 2011

Rafael e Daniel !!!




















- Pô, cara, deixa de ser careta!
- Careta nada, careta tem tudo a ver com você!
- Pô, você não entende a gente, ou faz que não entende, parece aqueles velhos gagás com quase 100 anos, dá um tempo. Cara, já parou pra pensar, a diferença de idade entre nós dois, é pouco mais , que dezessete anos, tenha dó...
- E daí? Mesmo que não houvesse esta pequena diferença de idade entre nós dois, mesmo assim, você está entrando numa canoa furada...e olha lá... se ela afundar...vai afundar mesmo e não tem retorno.
- Só por ser meu pai, se julga o rei da sabedoria?
- Nada disso, Daniel...eu só acho que tá se enroscando feio...
- Enroscando? – Daniel deu àquela risada cínica- Vivo a minha vida como acho legal ser vivida...
- E a sua namorada?
- Não coloque ela no meio, não tem este direito, ela não é nada sua, o que tem minha namorada?
- Andam falando- Daniel não deu tempo dele terminar e respondeu-
- Tão falando sim, pouco me importa...
- É verdade?
- E se for?
- Não quero saber pela boca dos outros, pode me dizer? É ou não é?
- Podes crer, cara, demos a maior bobeira, minha mina ficou grávida.
- E agora?
- E agora o quê?
- Sua namorada, como vai ficar? Daniel, você tem apenas 15 anos!
- Cara, daqui a um mês completo 16, menos que um mês, e a minha mina logo faz, também, 16, já estamos bem crescidinhos...
- Crescidinhos? Tá brincando de gente grande? Você tem dificuldade de chamar pelo nome sua namorada, fica com este negócio de mina pra cá mina pra lá...será que consegue chamá-la de Marissol?...e tem outra, esta menina não tem a menor condição de cuidar desta criança, e nem você !
- Igual minha mãe cuidou de mim? Cara, na foto de casamento vocês parecem duas criancinhas...
- Conversamos amanhã, Daniel, vou pegar daqui a pouco no serviço.

Capítulo I

Rafael é pai de Daniel. Este ficou sem mãe, recém-nascido, ela abandou a casa, desapareceu numa manhã sem dizer nada, sequer deixou um bilhete, até hoje, não souberam notícias dela. Quem criou Daniel foi seu pai, muitas vezes ele o deixava na casa dos vizinhos pra ir trabalhar. Arrumou nova esposa, mas não deu certo, pois ela maltratava Daniel chegando mesmo a queimá-lo com cigarros, ficando àquelas marcas no corpinho da criança.
Rafael não fuma, embora goste de bebidas alcoólicas, mas nunca chegou bêbado em casa, controlava-se.
Atualmente, ele ocupa o cargo de chefia no setor de almoxarifado de uma multinacional. Tem um excelente salário. Nesta noite, enquanto trabalhava, ficou meditando sobre a nova situação, da possibilidade dele ser avô. Por momentos assustava com a idéia, mas logo se reorganizava interiormente, passado um tempo, ficava todo perplexo novamente. Ficou nesta espécie de ciclo por boas horas. Afinal ia ser avô, pensa bem: - Eu ser avô? Falava baixinho pra ele mesmo. E, novamente o pânico tomava conta dele, quando pensava que Daniel ia completar 16 anos e ser pai.
Rafael foi para o refeitório comer um lanche. Pensava e pensava. Ficou ali, quieto, por quase meia hora. Teve uma reação, depois de tanto refletir, quase eufórico e disse pra si mesmo:
- Vou ser avô, caramba, mas pensando bem... até pode ser legal! Vai quebrar a monotonia daquela casa....quem sabe? Quem advinha os acontecimentos, as maluquices da vida, o imprevisto? Vou arrumar uma babá pra cuidar da criança, vou ajudar a criar, o que não pude fazer para o meu filho, vou recompensar...
Nove horas da manhã, Daniel chegou em casa, todo arrebentado, com aparência de drogado, olhos totalmente vermelhos e tossindo sem parar.
- Daniel, precisamos conversar!
- Pô, cara, tô cheio de canseira.
- Quero te fazer uma proposta, topa?
- Depende, cara, depende, uma proposta?
- Na realidade são 3 propostas...
- Três? ....tá a fim de sacanear? Proposta?...acho meio esquisito...vinda ainda de onde vem...
Rafael apanhou duas cadeiras, sentaram frente à frente. Deu uma xícara com café forte para o Daniel, que não parava de tossir. Este acendeu um cigarro, o último do maço. Seu pai ficava abanando a mão para espantar àquela fumaça.
- Daniel...
- Antes posso te contar uma piada, cara?
Seu pai fez uma cara de desânimo, acabou concordando.
- Então, cara, uma Largatixa fumava sem parar o back, e foi pra beirada do rio beber água, passou debaixo duma árvore, o Esquilo falou pra ela: Aí, Lagartixa, dá um traguinho do seu back? Toma lá, Esquilo, rapidinho, tô com muita sede. Aí, fica com o resto...legal Largatixa, na próxima eu te arrumo... Tá me ouvindo, cara?
- Claro..largatixa, back, esquilo ..e o quê mais?
- Bem...a Lagartixa chegou na beira do rio, bebeu água, encontrou um jacaré. Este foi logo pedindo:- Largatixa, tem um dedo de back? – Vai lá com o Esquilo, dei o resto pra ele, quando o jacaré chegou na árvore onde estava o esquilo, este disse assim:
- Puta que pariu em Lagartixa, você tomou água pra cacete...- e Daniel caiu na gargalhada, acabou que seu pai deu uma risadinha de leve, mas logo ficou sério.
- Bem, Daniel, podemos agora , conversar seriamente?
- Vamos lá, cara!
- Reconheço, Daniel, que não cuidei de você como deveria ser...
- É cara, me criei na rua...qual a sua proposta?
- Minha proposta é a seguinte: você traz a Marissol aqui, pra morar nossa casa, se quiser pode trazer hoje mesmo...
Daniel ficou pensativo e desconfiado,
- De repente resolveu ficar bonzinho? Qualé a sua?
- Não tem nada de qualé a sua, simplesmente e não vejo nada de mais, ela vir morar com a gente, ou você acha que tem algum problema?- Seu pai olhou seriamente nele, e continuou a olhar.
- Quer me olhar nos olhos, por favor, Daniel?
- Tá radical, ô meu...?
- Impressão sua....você está vendo tudo dos avessos, é isso....
- Tá, então continua a ladainha....
- Sobre a segunda proposta: Vou falar com o meu diretor, você vai completar 16 anos, pedirei a ele um emprego no escritório...
-Pára..pode parar, corta essa, pô, já pensou? Não quero nem pensar...tô fora....
- Não precisa decidir agora, mas não se esqueça que você vai ser pai!
- Entendido e compreendido - respondeu na gozação- Sobre a 3ª proposta pode tirar o cavalinho da chuva, sem saber o que é, já digo: não topoooooooo......
- Daniel, você já foi preso várias vezes, mesmo sendo de menor, já apanhou da Polícia, dos caras na rua, já foi pego roubando toca fitas nos carros, arrombou portas dos comércios, tudo pra arrumar maconha. Apanhou tanto que quase ficou aleijado. Olha pra você neste momento, parece um monte de ossos sem vida, seu rosto tá pálido, olheiras, boca seca, não pára de tomar água.
- Sou um lixo, né? Todos dizem a mesma coisa de mim....é cara, curti a noite toda com a patota.
- Patota filha da puta....
- Pode até ser, mas são meus amigos, me defendem...morrem por mim.....
- Deixa eu continuar. Proponho o seguinte: se você trabalhar e parar de andar com esta patota, eu mesmo comprarei a maconha pra você, desde que você fume aqui, dentro de nossa casa. Topa?
Daniel deu um pulo da cadeira, nunca em sua vida poderia imaginar uma situação daquela.

Capítulo II

Passados dois dias, Rafael entregou ao filho um malotinho de maconha. Daniel curtiu infinitamente aqueles cigarros, fazia com carinho, enrolava devagarinho, passava nos lábios, e fumava na sala, no quintal, no banho, no universo, nas estrelas...fumava....acho que vou topar o emprego...e caiu na gargalhada.
Seu pai chegou em casa, às 21 horas daquele dia, quando havia terminado seu turno. Não encontrou o filho, este faria um estágio , marcado para entrar no serviço as 22 horas. Saiu a sua procura, encontrou-o com a famosa patota. Colocou Daniel agressivamente dentro do carro.
- Vamos, Daniel, de hoje em diante vou fumar com você, largue desta turma.
Assim, o pai, pela primeira vez na vida, experimentou a maconha. Levitou, tossiu sem parar, caiu, vomitou, mas queria o filho em casa, junto dele. O que levou o pai, Rafael, a tomar esta atitude? Uma remissão pelo contrário? ...ou como entender o coração dum pai atormentado e se sentindo culpado pelo filho? O conflito interno dele, muitas vezes, quase o levava ao desespero, à loucura, por causa do filho, sentia-se responsável por tudo quanto acontecera a ele. Quando Daniel deixava à mostra, as marcas de cigarro em seu corpo, seu coração explodia internamente e caía em prantos.
Pai e filho foram se aproximando como nunca. Conversavam, riam juntos, contavam piadas, enfim, tudo mudou, a patota foi esquecida, agora, a patota sua era apenas o pai.
Houve um roubo. A Polícia foi procurar Daniel, seu pai o defendeu veemente, todas as vezes que acontecia algo deste tipo, a polícia sempre ia primeiramente, atrás de Daniel. Porém, desta vez, foi diferente. Sentiu-se seguro com a presença do pai, naquele momento ele era seu anjo da guarda. Nunca havia sentido esta sensação maravilhosa em sua vida.
Desta data em diante, houve um processo altamente interessante em relação a Daniel. Cada dia que passava, ele desenvolvia-se no estágio numa escala formidável, ganhando a admiração dos colegas de trabalho. Super criativo, propunha soluções simples para uma situação, que aparentemente parecia complicada. Foi galgando degraus na empresa, com apenas 18 anos incompletos, ocupava cargo de chefia na elaboração de gráficos sobre produtividade.
Passaram-se quase três anos.

Capítulo III

Certo dia, Daniel ao chegar em casa, com sua esposa Marissol e uma linda filha, deparou com uma situação que o deixou apavorado. Encontrou um homem totalmente alucinado, seu pai, que excedera no uso da maconha. Correu ao seu encontro e ouviu um apelo:
- Ei cara, tá me olhando diferente? Quebra o galho, descola um cigarro, vai!
Daniel havia parado, há mais de um ano, de usar drogas. O mesmo esquema que ele, Daniel, fazia para usar drogas escondido do pai, agora, este, fazia o mesmo para com ele. Houve uma inversão na situação.
Rafael foi rebaixado no emprego, enquanto seu filho ia ganhando promoções, embora em empresas diferentes, Daniel procurava saber notícias do pai através de amigos.
Rafael vendeu a geladeira, outro dia a televisão, para comprar drogas. Seu carro foi tomado pelos traficantes, para quitar a dívida. No emprego, fora dispensado por justa causa.
Daniel morava em casa alugada, mas já estava construindo a sua própria casa. E de comum acordo com Marissol, até àquela data ainda não haviam casado, por insistência de Daniel, vieram a marcar uma data para oficializarem o casamento, segundo suas próprias palavras, pelo reflexo de sua mãe abandoná-lo criança, queria um lugar, um lar, estável, dentro do possível, para sua filha.
Daniel percorreu aquele corredor que ele conhecia tão bem, para ver seu pai. Ele havia sido preso totalmente drogado e embriagado. Ficou olhando-o, seu corpo jogado de qualquer maneira naquele piso gelado da cela, frio como a morte. Quantas vezes em sua vida, dormira naquela cela maldita? Que houve? Porquê meu pai não conseguiu controlar? O que está errado neste contexto todo? Eu fui criado nas ruas, acostumado com todo tipo de situação e sacanagem, fui mestre da malandragem, consegui estancar a desintegração em minha vida, meu pai não conseguiu, havíamos jurado solenemente, fumarmos apenas um cigarro por noite, naquela época, foi uma regra estabelecida e juramentada.
Daniel pegou seu pai, com todo carinho, lágrimas desciam em seu rosto desesperadamente. Colocou-o debaixo do chuveiro, ficou ali mais de 20 minutos limpando seu corpo com todo cuidado, pois estava machucado em vários lugares, escorrendo sangue. Percebeu ainda, pois sabia muito bem como a polícia batia sem deixar marcas, e tinha plena certeza que seu pai havia sido torturado naquela cela da morte, em cima dos pulmões, barriga, pernas e costelas.
Passados 72 dias, Daniel marcou a data do seu casamento, imediatamente foi dar a notícia para seu pai. Bateu na porta da casa, gritou, resolveu arrebentar a porta da casa e foi entrando. Chamou outra vez, olhou nos quartos, e nada do seu pai. Deu outro grito. Foi até a cozinha, sentiu uma vertigem e chegou a cair. Olhou seu pai, nu, morto, pendurado naquela corda. Suicídio.
LAUDO MÉDICO: Morte por asfixia.
CAUSA:Possivelmente por uso em demasia da droga chamada: crack .

Miquito Mendes !

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