segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Encontro da Razão com a Emoção !!!
















Certo dia, melhor dizendo, certa tarde, naquela praça toda arborizada, com a brisa varrendo a cabeças das pessoas, as duas se encontraram, a Razão com a Emoção. Ultimamente as duas andavam se estranhando, mas naquela tarde estavam super calmas, parecia até que haviam tomado Lexotan.

- Razão! Você por aqui? Há quanto tempo!
- Pois é, Emoção, ando por aí mesmo, como sempre.
- Quais as novidades?
A Razão respondeu na bucha:
- Eu nunca tenho novidades, Emoção, você bem sabe, e porque haveria de ter?
Emoção pensou um pouco:
- Novidades, situações e imprevistos na vida de qualquer um, Razão, aparecem do nada quando você menos espera, bummmm acontece.- a Emoção deu um estalo nos dedos-
- Comigo, Emoção, tudo é planejado nos mínimos detalhes. Não gosto de imprevistos, e caso aconteça tento administrar o mais racional possível.
- É, Razão! É !...veja, mas você não sente sua vida meio sem vida?
- Por quê?
- Razão...a gente tem que pisar na bola de vez em quando. Você só faz planejamento e mais planejamento e se uma hora destas dar uma zebra e te pegar desprevenida? Tenha certeza que sua hora vai chegar.
- Já disse, Emoção, lido com fatos e não com conjecturas, tão pouco com o coração.
- Você já chorou alguma vez ,na vida, Razão?
- Uma pergunta desta não merece resposta.
- Ok, Razão, Ok, me desculpa sobre a pergunta ser tão pessoal e te pegar desprevenida....- Emoção deu uma risadinha de leve- só pra complementar, espero Razão, que você entenda a essência da minha pergunta e não seja preconceituosa...
- Diga !
- Já teve alguma paixão na vida?
- Paixão nunca, paixão é um devaneio, não tem lógica.- a Razão mexeu com a cabeça para o lado e prosseguiu:- Já gostei dentro dos parâmetros normais e do equilíbrio.
- Como é este equilíbrio, Razão, pode me explicar?
- Não tem muito o que explicar, Emoção, apenas gostar equilibradamente.
- Mas existe situação assim, Razão? Gostar desta forma?
- Claro, minha amiga. Você deve sofrer pra cacete pelo visto. Perguntou sobre paixão, o que não é bom sinal, perguntou se eu já chorei...significa que você é muito emotiva, repito, não é bom sinal.
- Paixão e amor, Razão, ou amor e paixão é o que nos diferencia das máquinas.
- Discordo, minha amiga Emoção, vocês são carregadas de emoções, parecem masoquistas, sofrem porque querem. Qualquer detalhezinho já abala a estrutura de vocês. Quer ver? Um exemplo: Uma cena imbecil de novela, fazem vocês chorarem ou sentir raiva, que tipo de vida é esta?
- Uma vida normal, de altos e baixos...como você não sabe, Razão, o que é chorar, é fria e calculista, jamais irá entender estes tipos de sentimentos.
- Estes tipos de sentimentos? Eu sei que eles existem, Emoção, sei perfeitamente. O que me diferencia de você é que consigo controlar-me....já sua espécie não tem controle de nada, ficam abalados, deprimidos,qualquer coisa entram logo em pânico , longe de mim viver assim.
- Você disse, Razão, sobre nossa espécie ser diferente da sua. Tá bom. Com todo este controle da situação que você acabou de dizer que tem, Razão, sua espécie, porém, não sabe o sabor das lágrimas sejam elas de alegria ou de tristeza. Sua espécie não sente emoções, evita a todo custo chorar ou dar uma boa gargalhada, usando seu termo: estes detalhezinhos da vida, é que nos torna humanos, vocês em nome da racionalidade, também devem sofrer pra cacete.
A Emoção tomou fôlego e continuou:
- Sua natureza, Razão, não tem noção das aventuras e desventuras, você não entende os casos de amores e desamores. Quer outro exemplo, minha amiga, Razão? Se sua espécie vai a um cinema, teatro ou circo, vocês aplaudem mecânicamente...e não com a alma. Por tudo isso, Razão, eu lamento por você !
- Tá vendo? Você lamenta por mim...porquê lamentar por mim? Ouvi seu desabafo atentamente, é apenas o que posso fazer, te ouvir.
- Razão?
- Sim, Emoção !
- Diga exatamente o que você sente quando vai a uma apresentação, por exemplo: A 9ª Sinfonia de Beethoven, qual sua reação?
- Normal , é claro!
- Pode ser mais específica?
- Como?
- Quando diz que sua reação é normal, pode me dizer como é este “ normal” seu?
- Ora, Emoção, quer resposta mais clara e objetiva? Assisto e ouço como os outros, nada mais além disso, algo normal.
- Somente isso?
- Deveria ser diferente? Emoção! seja direta nas suas perguntas, sem rodeios, vai.
- Ainda estou confusa, Razão, não fiquei convencida, ou não entendi sua resposta.
- Quando vou à uma apresentação desta, Emoção, presto atenção nos mínimos detalhes, caso contrário eu estaria sendo incoerente e perdendo meu tempo.
- O que seria “ nos mínimos detalhes”, Razão?
- É um interrogatório, Emoção, qual o objetivo? Já que você faz tanta questão destes detalhes, o que me diz, Emoção, da sua espécie, quando assiste a 9ª Sinfonia?
- Já que você, Razão, não quis perder tempo me explicando” nos mínimos detalhes” digo eu.
- Sou todo ouvidos, minha amiga, Emoção !
- Eu vejo lá no fundo da Orquestra Filarmônica uma notinha musical perdida...dali à pouco o som do clarinete, em seguida as flautas, violinos, violoncelos, todos os sons leves e suaves dentro de uma harmonia divina. Como se fosse uma mágica, o som emerge magistralmente vindo até nós...
Interrompeu a Razão com expressão de tédio:
- E...?
- Em determinadas partes da Sinfonia, Razão, eu vejo o duelo entre o céu e o inferno, vejo ainda o conflito interior do compositor. São como duas folhas flutuando no espaço. Uma representa o céu outra o inferno. E vão flutuando...flutuando....uma delas em determinado momento incendeia, transforma-se numa tocha de fogo cheia de raiva, revoltada e sofrida. A outra permanece tranqüila, serena, flutuando como se nada a impedisse.....como se fosse o próprio Universo.
- E...?
- E...o quê, Razão?
- Me perdoe , amiga Emoção, uma visão simplista da sua parte e puramente emocional. Se Beethoven pudesse ouvir sua dissertação sobre a 9ª Sinfonia...acharia ridículo!

- Agora sou eu, Razão, que acho melhor mudar de assunto.
- Faz bem, Emoção, tenho sempre como meta raciocinar em cima de uma lógica absoluta, nada de probabilidades abstratas.
- Faço das suas palavras, amiga Razão, as minhas.
A Razão percebeu de imediato ,um certo ar sarcástico na Emoção.
- Eu tenho certeza, Emoção, certeza, que num futuro próximo sua espécie vai desaparecer da terra.
- Por quê?
- O mundo de hoje, aliás, sempre foi assim, nunca aceitou sua espécie, apenas a tolerou. Na conjuntura atual da globalização os dias de vocês estão contados.
- Quer dizer, então , que vão sobreviver pessoas que são apenas robotizadas, gente como você? Vão acabar as dores? Vai existir uma pílula pra todos os males? Não vai existir sofrimento? Frustações? Vão acabar com a alegria e a tristeza , tudo será banal? Vai acabar o bem e o mau? Vão acabar com os compositores?... os escritores? Vão? Os riscos de uma atitude mal tomada irão desaparecer? Os anseios de uma geração ancoradas nos seus sonhos? Será proibido ter sonhos? Ter esperanças?
- Você ficou confusa, Emoção !
- Não me interrompa, Dona Razão!
- Me chame simplesmente por Razão, não vá perder o controle da situação e apelar. Continua...
- Como sempre, você não deixa ou corta o raciocínio da gente, Dona Razão.
- Mil desculpas....continue, por favor!
- Na linha do seu raciocínio, Razão, minha espécie tende a desaparecer....te pergunto: vai desaparecer também o poeta? O violeiro? Vai sumir do mapa a arte de amar? O beijo do pai no filho vai para o espaço? O que vai sobrar neste mundo?
- O que vocês não conseguem entender, a sua espécie, Emoção, é a praticidade no mundo de hoje, e o dinamismo.
- É...?
- É...
- Bem, já que é assim, pra encerrar logo o assunto, Dona Razão, vou fazer apenas uma pergunta e vou-me embora, posso perguntar?
- Não se exalte, Emoção....calma e equilíbrio....vamos ser racionais!
- Não me exaltei, pelo contrário, Dona Razão....
- Não?...
- Não...
- Faça a pergunta!
- Na realidade são duas perguntas.
- Faça quantas quiser !
- Dona Razão, faça pra mim, uma descrição, mas que não seja simplista, como foi a minha segundo suas palavras, faz?
- Diga !
- A primeira delas, caso um dos seus filhos venha a sofrer um acidente mortal, seguindo sua filosofia de vida, como você iria reagir nesta situação?
- Não jogo com hipóteses, Emoção, N vezes já lhe disse e vou repetir, sou do time que usa a lógica absoluta e ponto final.
- Lógica absoluta, Dona Razão, são dois e mais dois igual a quatro e pronto, então é assim sua filosofia? Esta lógica será que funciona com seres humanos? Esta lógica ajuda uma mãe a amamentar? Esta lógica absoluta ,dá forças para um pai trabalhar vinte horas por dia, para o sustento da família? Esta lógica sua permite que alguém faça uma boa surpresa à outro? Pensa lá, faz uma reciclagem...sua espécie é interessante....e triste.
- E a segunda pergunta?
- Dona Razão!...presta atenção....quando você vai fazer amor ou transar apenas por transar, dando um beijo língua com língua, prevalece a lógica absoluta no ato ou outra sensação?
- Sensação normal, Emoção !
- Não fuja da objetividade da minha pergunta,Dona Razão, que sensação é esta? Eu quero saber, faço questão absoluta de saber o tipo de sensação por qual você passa ! Detalhe pra mim.
A Razão ficou quieta, mas ela sempre tinha pronta, na ponta da língua, resposta pra tudo. A Emoção não tirava os olhos dela.
- E, ...Dona Razão?
A Razão ainda permanecia quieta, silenciosa, semblante pensativo. O tempo foi passando. Insistiu a Emoção:
- E aí, Dona Razão?
A Razão abaixou a cabeça, não conseguiu responder !!!


Miquito Mendes !!!

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