terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Um homem sossegado !!! ( Parte 3 ).












A cidade Bemaventurança estava animada e um bafafá danado. Chegou um grupos de pesquisadores e técnicos, pra fazerem um estudo sobre as águas da região.Um destes locais escolhidos para as pesquisas foram as terras do Zé Bananeira.
Encostaram o carro na frente de sua casa, deram uma buzinada, o Zé Bananeira apareceu e foi logo dizendo:
- É muita falta de educação buzinar na frente da casa dos outros.
- Aceite nossas desculpas, por acaso é o Sr. Zé Bananeira?
- Perfeitamente, respondeu, levantando o chapéu e passando a mão no cabelo.
- Qual o motivo da visita se é que é visita?
- Sr. Zé Bananeira, somos pesquisadores credenciados junto ao governo Federal, estamos fazendo em Bemaventurança uma pesquisas das águas, o Sr. poderia nos dar permissão de fazermos esta pesquisa em suas terras?
- Desde que não façam bagunça e deixem os apetrechos nos seus lugares. Não gosto de bagunça e nem de atrapalhadas, vocês podem notar aqui, cada coisa ocupa seu lugar. Faço questão da organização, sou um homem caprichoso e sossegado. Agora que vocês já sabem, vamos entrar e tomar café.
A sala de visitas da casa do Zé Bananeira media mais de cem metros quadrados. Todos sentaram-se, na mesa além do queijo, geléias e pão de queijo.
- Estamos conversados?
- Sem dúvida...sem dúvida, Sr. Zé Bananeira, respondeu o chefe da equipe.Quantos alqueires de terra o Sr. tem?
- Nesta eira de terra, começando da casa, passa dos duzentos alqueires.
Passou um ano e três meses, mais vinte um dias, da visita dos técnicos.

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Chegou primeiro, na barbearia, Jayme Rosinha. Guidinho foi logo perguntando:
- Como foi à semana, Jayme Rosinha?
- Nos trinques, Guidinho, e estou sempre ao seu dispor.
Foi chegando a turma. Paulo Salaminho, como sempre, fazendo piadas com os outros.
- E, aí, Breu, é verdade que àquela loirona encanou em você? Diz o ditado, que loira gosta de gente de cor!
- Verdade, Paulo Salaminho, por isso sua mãe não me deu sossego, em vida!
O restante da turma chegou com a Maria Cintura Fina , bem como o Zé Bananeira com o Juvenal Ciriema , seu compadre , que havia sido operado de hérnia . Não existia na vizinhança , melhor domador de cavalos do que ele , um dia Juvenal Ciriema levou um coice no saco , de lá mesmo foi direto para o hospital operar sua hérnia de muitos anos.
João Barbinha , o homem que fazia jogo de bicho na cidade , vestia uma camisa tão colorida que parecia um cigano. Nos dois dedos minguinhos de sua mão sobressaiam àquelas unhas compridas que deviam medir uns 3 centímetros . Unha tratada com carinho e muito limpa . Mas que era esquisito era sim. Aproximou - se de todos e cumprimentou :
- Bom dia pra todos que estão aqui e os que não estão !
Roda pronta , cada um pegou os palitos e começaram a jogar. Na primeira rodada , Maria Cintura Fina ganhou , deu aquele sorriso gostoso aparecendo um dente de ouro .
Na segunda rodada o Pedro Fera ganhou , o lance estava em dez reais . Ficou tão alegre que disse :
- Deus tarda mas não falha .

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- Zé Bananeira , você foi peitudo, fez no peito e na raça o quebra – mola na frente da sua casa .
- Jayme Rosinha , eu . . .
- Ao seu dispor !
- Pelo amor de Deus homem , pára com este negocio , toda vez que te chamo você diz: ao seu dispor !
- Ara , Zé Bananeira , respondeu meio bravo Jayme Rosinha .
- Fiz o quebra – mola , gente , na rua da minha casa, parecia pista de corrida de carro . Um barulhão dos diabo . Gosto de tranqüilidade , sou um homem sossegado .
- Os homi da lei não foram lá te encher o saco , Zé Bananeira ?
- E se tivesse ido Paulo Salaminho , eu não parava nem que o mundo desabasse . Não sou homem de ir contra as leis , mas não gosto de ser enganado . Aí , perco as estribeiras , mas continuo , por dentro , um homem sossegado .
- A verdade é uma só , seu Zé Bananeira, se as autoridades não olham pra gente , nós temos que ter atitudes , veja que vergonha é o nosso vereador Chico Abistenho .
- Perfeitamente , João Barbinha, a obrigação deles é velar para o bem do povo , e se não acontece o povo fica sem guarida . É o povo quem paga com sacrifício os impostos , nada mais que merecido o povo ter tranqüilidade, e sossego na vida .
Zé Bananeira foi interrompido:
- Trouxe um bolo fatiado de fubá pra vocês , Zé Bananeira .
Era a Carminha , usando um óculos com lentes grossas , cabelo tingido de castanho , com um vestido de cor alaranjada . Usava ainda , um sutiã, que dava impressão de ser pequeno demais para o tamanho dos seus seios . Chegava a chamar atenção.
- Ô Guidinho , arruma uma cadeira , pediu o Breu, pra colocar o bolo . A cadeira ficou encostada ao lado da entrada do salão da barbearia .
O bolo veio cortado em fatias quadradinhas , com canela em cima misturada com açúcar cristal . O café veio no bule de dois litros , sendo quê , no bico dele , um paninho vermelho encaixava até o fundo impedindo a entrada de moscas .
Todos agradeceram a Carminha e ela rumou pra casa .
- Mulher boa , tranqüila e sossegada , comprade Quinzinho !
- Verdade... é verdade , comprade Zé Bananeira , mas cá entre nós, se abusar vai inteirar cem anos de namoro !
- Pra quê pressa , comprade Quinzinho . A pressa leva a gente prô buraco , não tenho pressa pra casar com a Carminha e nem ela comigo , somos duas pessoas sossegadas.
- Quem vai participar de outra partida , gritou Fala Fino .
Todos estenderam os braços e com as mãos fechadas , foram cantando . Fala Fino abriu a mão com três palitos , Maria Cintura Fina ia de mão limpa , Zé Bananeira um palito e assim por diante até chegar no Barbeiro . Pela segunda vez , Maria Cintura Fina ganhou .

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- Compadre Zé Bananeira, quer dizer que desta vez a coroa do Santo Reis ficou em sua casa ?
- Com as Graças Divinas do Santo Reis , compadre Juvenal Ciriema , peguei sim a coroa . Sou um devoto deles , Deus me dando vida e saúde vou fazer uma festa muito devota e sossegada . Quero , compadre , que a metade da nossa cidade Bemaventurança apareça na festa . Homem temente a Deus que sou , garanto que vai ser uma festa de fartura até não poder mais , e muito sossegada .
Enquanto conversavam , chegou Maria Bela , com sua neta , trazendo uma bolsa . Todos a cumprimentaram e foi logo pegando um pedaço do bolo .
- Hoje , vim aqui seu Zé Bananeira , pois ouvi uma conversa que o Guidinho , Fala Fina e Paulo Salaminho me desafiaram num calango .
Zé Bananeira ouviu com muita atenção . Maria Bela abriu a bolsa ,tirou uma sanfona de oito baixos , deu um tom nela que deixou a turma ouriçada . Colocou a perna esquerda no meio fio do passeio , ajeitou a sanfona no colo , e fez o desafio . Fizeram uma roda em volta da Maria Bela , do Guidinho , Fala Fina e Paulo Salaminho . Não deu nem pra sentir o gosto , Maria Bela acabou com os três em poucos minutos , recebendo uma salva de palmas .
Por fim, Maria Bela tocou uma valsa chamada Antigas Cartas . Breu acompanhou Maria Bela no dueto .
- Participa duma rodada Maria Bela ?
- Não precisa nem perguntar , Jayme Rosinha , faz um tempão que não jogo porrinha .

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- Seu Zé Bananeira , eu ando nos quatro cantos da cidade fazendo jogo de bicho , ouço todo mundo dizer que o Sr. vai ser o novo Delegado de Bemaventurança .
- Quem disse , João Barbinha ?
- Dizem Seu Zé Bananeira que a voz do povo é a voz de Deus ! Falou sorrindo .
- Ou do Satanás , João Barbinha! Onde se ouviu sair um assunto deste sem eira nem beira . . . Vou prender meus amigos ? . . . Começando por você , João Barbinha, quando enche a cara perturba todo mundo. Já disse e repito , sou um homem que gosto de tranqüilidade e sossego em minha vida.

O Barbeiro Guidinho com a tesoura na mão , palpitava em todos os assuntos e voltava para o salão .
- Compadre Zé Bananeira , chegou nos meus ouvidos a seguinte pergunta :
- Qual pergunta , compadre Quinzinho ?
- Perguntaram compadre Zé Bananeira, se era verdade , aí eu disse que não era e nem que era , que o compadre foi convidado para um cargo de confiança na Prefeitura de Bemaventurança .
Zé Bananeira pensou um pouco , tirou o chapéu da cabeça , alisou a volta dele todo com seus dedos calejados , e respondeu :
- Compadre Quinzinho , me conhecendo como me conhece destes anos todos , o compadre acreditou ?
- No fundo , no fundo , compadre Zé Bananeira, por tudo quanto é mais sagrado não acreditei .
- Tá vendo , compadre Quinzinho , como o povo desta cidade é fofoqueiro ? Aliás e à propósito , eu acho este prefeito um bunda mole , já disse na cozinha da sua casa , lembra compadre ?
- Lembro como se fosse agora , compadre Zé Bananeira !
- Não sou homem de duas palavras compadre Quinzinho – a turma prestava atenção na conversa , lá entre eles torciam para o Zé Bananeira entrar na prefeitura , quem sabe poderia sobrar um empreguinho daqueles que só precisa bater o cartão de ponto e ir embora ? – Como dizia , compadre Quinzinho , é mais fácil galinha criar dentes do que eu ser empregado na prefeitura . Dinheiro nenhum do mundo , paga uma vida sossegada .
- Vamos de outra partida, gente ? Gritou o Pedro Fera . Foi acabar de falar, o Sérgio Mala apareceu , a turma toda ficou encarando ele .
- Parece urubu atrás de carniça , este Sérgio Mala , falou Paulo Salaminho .
E o jogo continuava junto com a prosa muito animada . Levaram um susto com um grito na porta da Barbearia .
- Falta de respeito , Guidinho , é a primeira vez que venho cortar cabelo aqui , a primeira impressão é a que fica , você é um sujeito sem compromisso me deixando aqui , feito um bobo , nesta cadeira caindo aos pedaços .
O freguês ficou tão nervoso que começou a chutar as cadeiras , quando ia quebrar o vidro da barbearia a mão do Zé Bananeira segurou forte seu braço , puxou o rapaz de lado e disse :
- Vai embora pra casa , meu jovem , fica tranqüilo e sossegado .
- Não gosto de atender gente inconveniente, disse o Barbeiro . Freguês deste naipe nem que pague com ouro , eu quero.
Maria Bela começou a cantar uma música baixinho , Maria Cintura Fina deu um suspiro .
- Ah , meus tempos – e deu outro suspiro forte e carregado olhando o Zé Bananeira . Lembra aquele baile na minha casa ?
- Como poderia esquecer, Maria Cintura Fina, respondeu meio desajeitado o Zé Bananeira .
- Lembra também da rede que armei pra você perto do rio . . . você gosta de ouvir o barulho das águas !
- Dentro do meu mais querer , nunca esqueci na vida aquele dia . Vi o sol nascendo meio preguiçoso , e daquela rede eu apreciava a beleza do nascer do sol tranqüilo e sossegado .
Guidinho ajeitou o salão com a ajuda do Jayme Rosinha . Logo tudo voltou ao normal .
E mais outra rodada de porrinha . Desta vez , Breu , com o palito no canto da boca,sorridente , ganhou a partida .
Jayme Rosinha e Fala Fina começaram a cochichar .
- Homem que fica cochichando tá conversando com o demônio , apontou com o dedo , João Barbinha, e aproveitou pra examinar suas unhas . Foi até o salão da barbearia , pegou uma lixa e passou naquelas unhas imensas com carinho tão especial igual de pai pra filho .
- Compadre Zé Bananeria , ficou acertado com a família do Rosasargento que o compadre vai ser o tutor dos filhos dele ?
- Arrumei outro pra ser o tutor , um homem da minha total confiança , compadre Juvenal Ciriema . Mexer com dinheiro alheio é muito arriscado . Prefiro ficar no meu canto , sossegado !
Jogaram mais de quatro partidas de porrinha . Maria Bela voltou a tocar sua sanfona , vermelha , de oito baixos .
Na esquina , distante uns duzentos metros da turma , um homem bem vestido de terno e gravata , embora sua vestimenta demonstrasse que já havia sido usada muitas vezes ao longo dos anos . Sua aparência transmitia respeito .
- Bem pessoal , tá na hora de ir embora .
- Fica mais um pouco, Zé Bananeira !
- Nem que a vaca tussa , João Barbinha , tenho lá meus compromissos , e , de mais a mais , prefiro mesmo ficar lá em casa sossegado .


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Após Zé Bananeira desaparecer de vista , o homem de terno chegou e foi logo dizendo para o pessoal :
- Vim aqui , hoje , pra atender o pedido de um amigo que é assunto de máxima urgência , vamos arrumar um lugar pra todos sentarem e prestarem muita atenção .
A turma ficou encabulada . Maria Bela estendeu o braço pra despedir da turma , mas foi impedida .
- D. Maria Bela , a Sra. precisa estar aqui , junto com todos , é muito importante .
- Sr. Neném Estafeta , tá na hora de ir embora pra dar comida pra minha neta que está com fome .
Neném Estafeta aposentou-se no correio . Homem entendido de leis e contabilidade .Homem que sabia o segredo de muita gente , iam em sua casa contar as desavenças da vida ou da família . Homem de poucas palavras , só falava o necessário .
- Sr . Guidinho , pode arrumar umas cadeiras pra todos sentarem dentro da barbearia ?
- Perfeitamente , Sr. Neném Estafeta . . . perfeitamente .
- Sr . Guidinho , se não fosse lhe pedir demais , devido a urgência do assunto , o Sr . poderia fechar a porta da barbearia ?
Pedido feito , pedido atendido . O barbeiro desligou o rádio e ficaram olhando aquele homem com a pasta preta , desbotada , segura em sua mão esquerda .
- Estou aqui à pedido do Sr. Zé Bananeira . Como vocês devem saber ou lembrar , faz mais de um ano , aqui em Bemaventurança vieram uns técnicos pesquisar nossas águas . Vocês estão lembrados ?
Houve um silêncio . Pensaram um pouco e todos lembraram realmente daquela gente .
- Nas terras do Sr . Zé Bananeira , foram descobertas vários tipos de águas minerais , os técnicos disseram que as águas da terra dele estão entre as melhores do mundo !
A turma ficou agitada e começaram a falar entre eles .
- Silêncio , por favor . Preciso terminar o que me foi incumbido de fazer .
A turma ainda continuava agitada .
- E o quê compete a nós , Sr. Neném Estafeta , a descoberta destas águas , perguntou o Fala Fina , com a concordância do Jayme Rosinha , e do Breu .
- Acontece quê , o Sr. Zé Bananeira negociou com os técnicos que irão explorar a àgua mineral em suas terras .No contrato reza que cinqüenta por cento pertencem aos técnicos e os outros cinqüenta por cento são do Sr. Zé Bananeira .
A pasta foi aberta e o Sr . Neném Estafeta mostrou um pacote de folhas grampeadas .
- Aqui, meus Senhores , neste contrato , o Sr. Zé Bananeira deu uma percentagem pra cada um de vocês .
- O que significa uma porcentagem pra cada um de vocês ? perguntou , sério , Juvenal Ciriema.
- Significa que cada um de vocês, aqui presentes , incluindo eu , somos donos de quase a metade dos cinqüenta por cento das águas minerais que competem ao Sr. Zé Bananeira . Segundo suas palavras , sou testemunha, ele tem tudo que precisa na vida e achou justo dividir com os amigos dele e com outras pessoas de Bemaventurança , esta riqueza que não é dele , e sim, da terra .
Neném Estafeta acendeu um cigarro , pediu um copo de àgua ao barbeiro e continuou :
- Já foi lavrado no cartório e registrado , a partir de hoje , vocês são donos da fonte de água mineral nas terras do Sr . Zé Bananeira .
Em seguida , Neném Estafeta , foi para o cartório de registro de nascimento .
- Sra. Biluca , esta procuração me foi passada , como a Sra. bem pode ver , pelo Sr . Zé Bananeira . A partir de hoje, toda a criança que nascer em Bemaventurança , durante um ano seguido , a Sra. por favor , faça a certidão de nascimento e mande a cobrança pra minha casa.
Tudo acertado no cartório , o procurador entrou no carro , e parou ao lado de um curral .
- Aqui está uma lista de pessoas , chova ou faça sol , o Sr. deverá entregar dois litros de leite pra eles,todo o santo dia, e a conta , no primeiro dia de cada mês, venho aqui, pessoalmente fazer o pagamento !


Miquito Mendes !

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